Estatuto, poder e sucesso são conceitos influenciados pelas grandes marcas.

Estatuto, poder e sucesso são conceitos influenciados pelas grandes marcas.

A ideia de conduzir um Mercedes, usar um IPhone ou vestir Chanel é um desejo bem promovido, não uma necessidade.

Tempo de leitura: 10 minutos

O sucesso medido com etiquetas

            O estatuto, o poder e o sucesso são conceitos influenciados pelas grandes marcas. Quando foi a última vez que sonhou em comprar algo que sabe, que dificilmente consegue comprar? Eu assumo. A minha foi após entrar num Tesla. Fiquei convencido em comprar um carro daqueles. Não que não goste de carros a combustível fóssil – sempre sonhei ter um Lamborghini, ou um Aston Martin – mas hoje, as preocupações são outras e o que ambiciono também mudou. 

            No entanto, é verdade que nem eu, nem ninguém precisa de um carro de sessenta mil euros para se deslocar para ir às compras, ou para trabalhar – salva exceção. Apenas precisamos de um carro que ande. E se formos a ver, uma viagem a pé ou de bicicleta até ao supermercado, de vez em quando, até fazia bem.  

            Mas esta ideia que absorvera quando era miúdo, de que o sucesso de um homem era medido consoante a etiqueta do carro em que andava, não é inocente. 

O conceito de estatuto, poder e sucesso para os neófilos e para os resistentes.

            Quando foi a última vez, por exemplo, que olhou para um IPhone e pensou em poupar para o comprar? Quem diz um IPhone, diz um Google Pixel ou um Samsung de gama alta, a rondar os mil euros. O mais provável é que em pouco tempo, esse mesmo telemóvel se torne obsoleto, devido à incapacidade do hardware acompanhar a evolução do software ao longo dos anos. Mas mesmo assim, é um produto que deseja. 

            Se falarmos de cosméticos ou de roupa, é também provável que tenha desejado comprar um produto Chanel, Dior ou Yves Saint Laurent. Talvez até, uma peça de roupa da Guess, da GANT, da Levis, Timberland, Massimo Dutti, ou de qualquer outra marca que não a Bershka, a Stradivarius ou a Zara. 

            A verdade, é que ninguém necessita de um carro de luxo, de um telemóvel de luxo, ou de roupa de luxo (seja lá o que isso for) – salva a rara exceção. Ninguém necessita, mas a tentação de poder dizer ou de mostrar que comprou algo que tem uma etiqueta superior aquilo que outros conseguem comprar, é tentadora para muitas pessoas. Por uma simples razão – o estatuto. 

Públicos-alvo do estatuto, poder e sucesso.

            Sim, eu uso um IPhone. Mas não sou um neófilo por telemóveis. Sou um neófilo por ferramentas que a tecnologia me permite utilizar a meu favor. Acreditem, não é o titânio que me convence. Não tenciono ir ao espaço tão cedo. Mas há funções que simplificam a minha rotina profissional – e esta é uma exceção. 

            É uma exceção, porque o público-alvo principal da Apple, no que toca à venda de IPhones, não sou eu – profissional de marketing e audiovisuais – mesmo que possa ser um deles. O público-alvo principal, são os adolescentes. 

Pai, mãe, por favor, eu preciso!

            Lembra-se da última vez que visitou um shopping, perto do Natal? Aposto que todos os anos o faz. E decerto que se o shopping que visita tem uma loja que vende Apple, também já reparou nas filas de espera que se prolongam até ao exterior da loja nessa altura.  

            Mas não vê adolescentes. Pelo menos sozinhos. Vê os pais dos adolescentes. Aqueles que têm dinheiro (ou não) para comprar aos seus filhos, um IPhone. 

            Mas para que serve um telemóvel de mil euros nas mãos de um adolescente? Obviamente que não serve para nada. Mesmo que esta ilusão de um possível estatuto os preencha de mil e uma razões pela qual necessitam de um IPhone para sobreviverem. 

            Porque não existe melhor exemplo de uma comunidade, onde o estatuto, o poder e sucesso, são os temas mais relevantes para a pessoa que nela vive, do que numa escola secundária ou numa universidade. 

            É por isso, que existem nestas escolas, grupos de indivíduos denominados – populares – cujo grupo é apenas destinado àqueles capazes de usar roupas de luxo, telemóveis de luxo, e tudo o que indicar luxo, mesmo que proveniente do mercado contrafeito. Onde existem os grupos de – gamers – para quem o luxo significa, ter uma Playstation 5 ou um PC feito por eles, com as melhores gráficas do mercado. E os grupos dos mais pobres, cujo luxo, significa ter uma refeição por dia – sim, existe mesmo. 

            Ora, quando um destes adolescentes se quer relacionar com alguém que não pertence ao seu grupo e, que se posiciona num estatuto superior ao seu, procurará representar esse estatuto superior. E isso significa vestir-se como eles. Falar como eles. Agir como eles. Possuir o que eles têm. Entrar nas listas escolares em que eles entram. 

            E um IPhone – na cabeça de um adolescente – pode ser um começo, para o conseguir. Quem diz isso, diz também um daqueles cortes de cabelo que apenas os rapazes populares usam. Como a moda de serem todos carecas, ou de terem todos o cabelo à frente dos olhos. 

Os culpados são os filhos

            Mas não se engane, porque não são só os adolescentes que o fazem. Os adultos também. Aliás, muitos dos adultos procuram mostrar o seu estatuto, através da comparação irracional que fazem entre os seus filhos e os das mães que conhecem. Pois são os adultos que assumem pagar um IPhone a prestações, apenas para que os filhos possam ter um IPhone. São os adultos que procuram dar tudo aos seus filhos, pressionados também pelo amor e por uma sensação de falha para com eles, caso não consigam fazer com que sejam aceites na escola. E as marcas sabem disto. 

O peixe grande, o peixe maior e o megaladonte

            Não existem, portanto, dúvidas. Pagar mil euros por um ecrã de quinze centímetros por dez, é muito melhor negócio do que comprar um ecrã gigante para ver a bola na sala, ou a novela da noite. Pagar trinta mil euros por um carro, é muito melhor negócio do que comprar um de dez mil, e usar o restante dinheiro para pagar a casa, ou tirar umas férias para conhecer o mundo. 

            Como diziam os mais experientes. A galinha da vizinha, é sempre maior que a minha. E o que importa é mesmo isso, ter a maior galinha do bairro! 

            Mas quando descobrimos que há alguém com duas galinhas na mesma cidade que nós, a nossa galinha, a maior do bairro, já não nos chega. Precisamos de mais, precisamos do estatuto. Precisamos de ser melhores, mais bem-sucedidos do que os outros. E para muitos, isso significa ter a galinha com a etiqueta maior. Ou até mais do que uma. 

            Quase todas as nossas decisões na vida têm como base o estatuto. Aquele que queremos manter, ou o que pretendemos atingir. E até por vezes, escolher descer. O cargo corporativo, o carro, o tamanho da casa, ou tudo aquilo que conseguimos comprar, significa ser mais, ou menos bem-sucedido. Mas este é um conceito altamente influenciado pelas marcas que procuram fazer com que sejam difíceis de atingir, mas possíveis, se procurar poupar. Podemos não ter casa, ou carro. Mas temos um IPhone. 

            Lembre-se, no entanto, que irá sempre existir um peixe maior no mar. E aquilo que compreende como estatuto, poder e sucesso, são na realidade conceitos criados e altamente influenciados, pelas grandes marcas. 

O real valor do consumismo

            O nosso futuro não envolve carros. Da mesma forma que o presente não envolve o meio de transporte que utilizávamos há cem anos – o cavalo. As novas gerações não querem saber de combustível fóssil. Nem querem ter sequer nada haver com a condução de uma máquina. Querem apenas deslocar-se, da forma mais fácil, eficiente, segura e sustentável possível. 

            Portanto, da próxima vez que pensar num Tesla, irei saber. Valerá menos assim que sair do stand. Valerá ainda menos dentro de cinco anos. E não terá qualquer valor dentro de vinte. O que significa, gastar mais de sessenta mil euros em vinte anos, para me deslocar. 

            Talvez para mim, seja tempo. De voltar à bicicleta.