Rolls Royce na TV? Não, apenas num evento de jatos privados.

Rolls Royce na TV? Não, apenas num evento de jatos privados.

Para ver um Rolls Royce tem de ser convidado para um evento de lançamento de jatos privados, descubra o porquê.

Tempo de leitura: 10 minutos

Precisa de trinta e duas vidas com sessenta anos de trabalho em cada

            Quando foi a primeira vez que viu um anúncio da Rolls Royce na TV? Quem diz Rolls Royce, fala também de um Bugatti, de um Pagani, ou de qualquer outro carro de luxo que apenas uma reduzida elite conseguiria sustentar. Provavelmente nunca viu. E não porque não esteja atento/a ou informado/a. Mas por e simplesmente porque o meio de contacto com o “grande público” que é a televisão, este meio de publicidade criado para as massas, não chega aquele que é o público-alvo destas marcas. E também não porque não sejamos dignos, ou capazes de algum dia comprar um destes carros. Mas porque falamos de uma marca cujo valor da sua segunda viatura mais cara é de cerca de cerca de 23 milhões de euros. Sobre este valor, contabilizamos ainda outras despesas como a manutenção, o seguro ou a inspeção, entre tantos outros cuidados a ter com uma máquina tão valiosa. E isto significa que precisaríamos do equivalente a 32 vidas, a trabalhar durante 60 anos e a ganhar mil euros limpos por mês sem incluir despesas ou impostos (algo ainda muito difícil em Portugal), para que conseguíssemos sequer pensar em conduzir um destes carros.

Uma elite com um património incalculável

            E é por isto que não existe nenhum anúncio da Rolls Royce na TV. E não é que a marca não tenha o dinheiro para isso, talvez até tenha o dinheiro para comprar todo o horário publicitário semanal de um canal português durante bastante tempo. Imagine-se agora a ver o mesmo anúncio infinitamente durante cada pausa de 15 minutos entre a primeira e a segunda parte do Telejornal. Mas sim porque as pessoas que compram um Rolls Royce, provavelmente tem outras coisas interessantes para fazer, como andar no seu iate, descontrair na sua mansão de 35 quartos, ou claro, frequentar um evento privado e acrescentar um jato pessoal à sua coleção de estravagâncias.

            Falamos de uma elite cujo património tem um valor incalculável, como o de Jeff Bezos, Elon Musk ou Bill Gates, ou até mesmo de um pequeno grupo de desportistas de elite como Cristiano Ronaldo, ou de intérpretes como Taylor Swift. Falamos de pessoas que gostam de sentir e de proteger, senão até melhorar a sua posição de estatuto. E isto significa usar os melhores relógios, comprar os melhores carros, as melhores casas e os melhores barcos ou aviões. Esta é a forma de se sentirem aceites e até mesmo líderes da comunidade em que se inserem.

Traga o mais caro, é o que eu preciso. Preciso mesmo.

            Alguém capaz de assim viver provavelmente está interessado em ter o último modelo de um carro, ou o mais recente modelo de um jato privado. E não, para nenhum deles se trata de uma questão de necessidade por muito que por vezes até possam acreditar que sim. Trata-se de uma questão impulsionada e influenciada pelo estatuto que procuram alcançar ou manter e, marcas como a Rolls Royce existem para este público. Por muito que pense – você que lê este artigo – que todos os seres humanos minimamente racionais procuram o menor preço possível quando fazem uma compra, existe mesmo quem procure o mais caro. Sem a necessidade de o fazer, e a Rolls Royce também sabe disso.

            A Rolls Royce sabe também que todos aqueles que frequentam um evento de lançamento de um novo jato privado, fazem-no por convite. Isto significa que os convidados presentes são escolhidos a dedo e não porque têm uma grande personalidade, mas sim uma grande “carteira”.

            É por isso que a Rolls Royce se apresenta junto aos jatos privados e promove esta ideia de que, se tem o estatuto para ali comprar um novo e melhorado jato privado, ou procura alcançar esse mesmo estatuto superior, também necessitará de ter consigo o mais exclusivo carro para que esta comunidade de alto estatuto que procura, o aceite. Esse carro, é claro, um Rolls Royce. Todos aqueles que pertencem a esta comunidade têm um Rolls Royce, e uma garagem com espaço até para mais do que um.

A galinha da vizinha é mesmo maior que a sua

            Não tem um Rolls Royce? Compre um Rolls Royce, o seu vizinho tem um. Se só tem um Rolls Royce, compre mais um, ou dois, porque não quer ficar atrás do seu vizinho que tem uma garagem de doze carros, com três Rolls Royce’s. Se o convidar a visitar a sua casa, não o conseguirá impressionar – passa pela estratégia.

Um estatuto a manter e uma reputação a proteger

            Percebe agora? O estatuto é uma das principais razões pela qual compramos um Iphone, ou um Mercedes, ou um bonito anel de noivado. O estatuto é a razão pela qual o seu vizinho comprou um grelhador americano que custou mais de dois mil euros e que apenas usa uma vez por ano para preparar o almoço de aniversário e claro, mostrar aos amigos.

            O status quo é a razão pela qual muitas pessoas procuram rodar, contorcer e quase partir o pulso ao provar um vinho caríssimo num restaurante que serve marisco congelado. Os mesmos que provavelmente preferiam beber um refrigerante sentados no sofá de casa e acompanhados de uma pizza. O estatuto é a razão pela qual as crianças procuram ser adultas e ter a atenção dos adultos à mesa de jantar. Porque nós, os adultos, somos insensíveis ao ponto de não as incluirmos na conversa, porque queremos provar a outros adultos, que também somos crescidos. O estatuto é um agente kamikaze invisível presente nas empresas e nas hierarquias corporativas. Que apenas têm a perder quando promovem uma cultura assente sobre esse mesmo estatuto.

            O estatuto é como uma corrente marítima imaginária e completamente imprevisível, irracional e destrutiva que nos guia a nós e às nossas decisões diariamente. Inflamando aquilo que é o ego pessoal de cada um.

            Seria quem é hoje, se não se preocupasse com o seu estatuto?

Rolls Royce na TV? Apenas num evento de jatos privados

            Para ser feliz não precisa de um Rolls Royce que será ultrapassado dentro de dois anos, por outro modelo da Rolls Royce.  Talvez precise apenas das ferramentas que permitam com que seja feliz – como diz Karl Marx. Talvez de um teto, alimento e água, talvez de uma bancada de bricolage ou um conjunto de agulhas de croché possam trazer-lhe a felicidade e a satisfação de aproveitar um momento especial ou de resolver um problema. E como as grandes massas, o “grande público” da televisão, vive numa constante preocupação sobre ter, ou não ter a capacidade financeira para sobreviver, este não é, naturalmente, um público de interesse para a Rolls Royce. E é por isso que não vemos promoção da Rolls Royce na TV. Mas sim num evento de jatos privados.